O empreendedorismo é capaz de valorizar as Potencialidades das Periferias Brasileiras?

Em uma era onde o empreendedorismo é frequentemente visto como solução para alguns dos desafios econômicos brasileiros, torna-se necessário refletirmos sobre o modelo de empreendedorismo que realmente serve às comunidades periféricas, pensando-se no desenvolvimento econômico dos territórios. Estas comunidades, repletas de diversidade e potencial criativo, necessitam de uma abordagem que reconheça suas realidades únicas e complexas, não as tratando como mais um terreno para aplicar fórmulas de sucesso pré-concebidas, fundamentadas em culturas distantes das reais necessidades das pessoas empreendedoras periféricas.

A Falácia do Empreendedorismo de Palco

O chamado “empreendedorismo de palco” evidencia as chamadas histórias de sucesso não representativas, ignorando as realidades multifacetadas das pessoas que empreendem nas periferias. Essas narrativas sugerem que o sucesso é para todas as pessoas, desde que sigam determinados passos ou modelos estadunidenses e europeus: “A luz nasceu para todos, inclusive para você.” Nas periferias brasileiras empreender, muitas vezes, não é uma escolha, mas uma necessidade de sobrevivência diante de um sistema econômico marginalizador, opressor.

Estudo de 2021, realizado pelo Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV) expôs a desigualdade gritante no acesso ao capital inicial entre empreendedores sociais das periferias e aqueles de áreas mais favorecidas. Os dados mostraram que empreendedores sociais não periféricos têm acesso a um capital inicial até 37 vezes maior do que empreendedores periféricos, um fato que ressalta a disparidade brutal de oportunidades.

Perfil dos empreendedores de impacto no Brasil:  o desafio das desigualdades territoriais. Pesquisa realizada pelo FGVcenn de setembro de 2020 a setembro de 2021, com apoio da Fundação Arymax
Perfil dos empreendedores de impacto no Brasil: o desafio das desigualdades territoriais. Pesquisa realizada pelo FGVcenn de setembro de 2020 a setembro de 2021, com apoio da Fundação Arymax

Mulheres Negras na Vanguarda do Empreendedorismo Periférico

Nas periferias, a maioria das pessoas que empreendem são mulheres negras, que enfrentam inúmeros desafios, incluindo rendimentos que muitas vezes não excedem dois salários-mínimos, contrastando com pessoas empreendedoras de áreas mais centrais, predominantemente brancos e com rendimentos significativamente mais altos. Muitas iniciativas tradicionais de incentivo ao empreendedorismo, fazendo “vistas grossas” às desigualdades sociais e econômicas no processo empreendedor das pessoas das áreas periféricas, são inadequadas e reforçam as expressões colonizadoras: “Basta se esforçar, porque você é capaz“; “Só os melhores vencem”.

Há possibilidade para o pensamento decolonial no processo “empreendedor”?

Contra o cenário de um empreendedorismo opressor e excludente, surge a necessidade de um pensamento decolonial fundamentado no diálogo entre os saberes das periferias e os saberes acadêmicos decoloniais, possibilitando a circularidade dos saberes no processo empreendedor das pessoas.

Nos encontros realizados com pessoas empreendedoras na concepção do pensamento decolonial, valorizam-se os conhecimentos ancestrais e as tecnologias sociais, fundamentais para a construção de uma rede de cooperação entre negócios periféricos.

O pensamento decolonial pode (re)configurar o empreendedorismo de modo a respeitar a cultura e a considerar realidade dos territórios periféricos, além de possibilitar que as pessoas empreendedoras periféricas expressem e desenvolvam suas potencialidades criativas, culturais, sociais e econômicas.

Conclusão: Um Chamado para o Empreendedorismo Inclusivo e Sustentável

Este artigo teve como objetivo trazer reflexões sobre a importância do pensamento decolonial para (re)pensar o que se nomeia e define empreendedorismo, com vistas a reconhecermos e incentivarmos a potência e os saberes das periferias brasileiras, no processo empreendedor das pessoas desses territórios.

Há possibilidade para adotarmos o empreendedorismo brasileiro, expressão da criatividade e potencializador do desenvolvimento econômico das regiões periféricas?

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